domingo, 11 de novembro de 2012

Estava aqui a lembrar-me

Quando a C. esteve internada, há mais de um ano atrás, a coisa complicou-se a sério. Tanto, tanto, que houve um dia que chorei de medo de não a voltar a ver bem.

A C. é daquelas pessoas que entra para ficar. Conhecemo-nos na primária, mas só lá para o sétimo ano ficamos amigas. A turma em que andavamos decidiu que eu não era "fixe" o suficiente para ter uma vida descansada e quase todos faziam um esforço verdadeiramente impressionante para me estragar o dia - todos os dias. A C. era minha amiga nessa altura. Boa parte das minhas memórias desse tempo são de nós a fazermos idiotices, a cantar as músicas dos reclames e a representar o Mike e o Melga nos intervalos. Ela foi uma das responsáveis por tornar a missão dos idiotas muito mais complicada. Provavelmente foi nessa altura que desenvolvemos um humor muito nosso, muito irónico. Se pudessem ouvir as nossas conversas, ainda hoje, provavelmente pensariam que somos umas pestes. Mas, talvez, tenha sido essa a forma que encontramos de enfrentar os problemas.

Mais tarde apaixonamo-nos. Curiosamente por irmãos. E tudo correu bem, até ao dia em que nos apaixonamos pela mesma pessoa. Eu nem bem me apaixonei para dizer a verdade, mas cometi um erro amoroso, digamos assim, e isso minou-nos. De tal forma que, passados uns tempos, por várias pequenas coisas, acabamos por cortar relações.

Mais de um ano depois, soube que lhe tinha sido diagnosticada uma doença crónica. Fui à casa dela, e quando ela abriu a porta demos um abraço até à alma, pedi-lhe desculpas e as duas assumimos que tinhamos sido umas totós, por nos chatearmos por coisas tão pequenas que nenhuma das duas se lembrava quais tinham sido.

Voltando àquela última vez, em que ela foi internada, a C. teve direito a tudo: tratamento com corticóides, tratamento com medicação experimental, catéter central, pneumonia, desorientação, convulsões, transferência para o hospital de Braga, transfusões e até aniversário num quarto de isolamento. Fui uma das priveligiadas que pode entrar no quarto no dia de anos. Tiramos umas fotos em que eu estava com a máscara de bico de pato, das quais até hoje nos rimos. Rimo-nos de quando se vestiu e tentou sair do hospital sem saber o que fazia, de quando comeu guardanapos a achar que era outra coisa qualquer. Às vezes rimo-nos, às vezes falamos a sério. Do medo que tivemos, de como ela sofreu por ser agarrada à cama e, mesmo estando já consciente, o enfermeiro continuava a falar como se ela não fosse um ser humano, como se ELE não fosse um ser humano, do que custou à mãe dela dormir aqueles meses todos no hospital a ter de a vigiar todos os segundos, não fosse a C. confundir a janela com a porta de casa.

Na verdade, com ela aprendi que nos podemos rir de virtualmente tudo. Admiro a coragem por ter a capacidade de o fazer, e acaba por ser uma forma incrível de se viverem as situações e de tirar delas algumas boas memórias, apesar de tudo.

Estava aqui a lembrar-me disto, de forma triste. E lembrei-me disto por me lembrar dela. Por pensar que, num dia como hoje, provavelmente nem ela me conseguiria fazer sorrir.

2 comentários:

  1. Amabilidade tua Rita. Na verdade sinto-me bem no momento que escrevo, mas depois não gosto nada de reler. Às vezes até penso que me devia dedicar de novo à pintura. Mas depois olho para as coisas que tenho penduradas nas paredes de casa e vejo que também não é boa ideia :)

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