terça-feira, 27 de novembro de 2012

Silence is golden

"To have nothing, to know nothing, to be no one"

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Meditação é liberdade espiritual, estar livre de todas as experiências.
Estar imóvel, significa que quero ser livre mais que qualquer outra coisa.
O relaxamento profundo significa que deixo tudo ser como é.
Prestar atenção significa que não tenho nenhuma relação com o pensamento ou sentimento.
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(45 minutos a uma hora de silêncio. Imobilidade. Costas alinhadas. O gongo marca o início. O gongo marca o fim. Entre uma coisa e outra - nada. E tudo. Uma eternidade, um segundo.)
 
Chegada na sexta-feira às 19h30, noite cerrada já. Aventura por estradas monte adentro, guiada pelas estrelas e dois ou três habitantes de uma povoação desconhecida pelo GPS, que me davam informações contraditórias.
De alguma forma, cheguei.
 
"Côn-tsei-tsaum, cómo tchegaste até nós?" - perguntou a Jutta, anfitriã, e eu respondi. "Procurei no google: retiros, e apareceu este; li por alto, não pensei muito sobre isso. Senti que queria vir, e vim. Se pensasse muito, provavelmente não viria. Mas... no caminho para cá comecei a pensar sobre isso, e... neste momento sinto-me muito feliz porque nenhum de vocês tem cara de assassino."
 
Cada um partilhou muito por alto como lá chegou. Alguns em solidariedade assumiram que partilharam da minha visão filme de terror, que afinal não se concretizou.
 
Jantar vegetariano absolutamente divinal. Explicar as regras. Simples. E complicadas. Aliás, este fim de semana foi um paradoxo pegado.
Preparar para o silêncio. Tirar relógios, desligar telemóveis. Não podemos falar, olhar nos olhos ou comunicar de qualquer outra forma com ninguém, para além do lider espiritual, e apenas nas sessões determinadas para pergunta-resposta. Não podemos ajudar na cozinha, ou em qualquer outra tarefa. Não podemos ler, escrever, pintar, ou produzir o que quer que seja. Somos nós, e o mundo, e o mundo dentro de nós. Só isso, mais nada. Voltar-nos-íamos a encontrar no domingo, no final da tarde.
Nessa noite, já não houve "boa noite", embora fossemos quatro pessoas a partilhar o quarto.
Na manhã seguinte, senti-me sozinha, acho que pela primeira vez. Um nó no estomâgo que durou uns segundos, e nem percebi se era uma boa ou má sensação. Talvez fosse um certo furor misturado com medo.
 
Programa simples. Acordar às 7h15. Às 8h primeira sessão de meditação. Depois disso, pequeno-almoço, sessões de meditação, almoço, sessões de meditação, lanche, sessões de meditação, jantar e... sim, sessões de meditação. Algures pelo meio uma sessão de pergunta-resposta.
 
O treino da disciplina, e a disciplina necessária para permitir que aquilo que somos de verdade consiga afastar ou silenciar o que temos alimentado mal demais, vezes demais - a mente; é algo rigoroso e duro por vezes. Mas um segundo de silêncio compensa uma vida de caos. Pela primeira vez desde que me entendo como gente, e depois de ter experimentado mil e uma coisas - mesmo mil e uma coisas - sinto que estou no meu caminho.
Eu procuro liberdade espiritual, perceber o que sou, o significado da vida, para onde vou, com que energia e porquê. Estudei comunicação por causa disso. Cuidados paliativos provavelmente pelo mesmo motivo - compreender a questão da vida e da morte. Reiki. Fui a palestras de programação neuro-linguística. Fiz exercícios de relaxamento e mindfulness, até pedi a uma colega para me ler o tarô e por pouco não caí numa sessão de espiritismo. Li dezenas de livros de espiritualidade. E nenhum, nada, me disse algo tão perto daquilo que ouvi este fim de semana, daquilo que eu própria já suspeitava. Há uns tempos publiquei um post sobre o que pensava quando andava sozinha. Este post. Pois é, quando andava sozinha provavelmente já estava a meditar sem saber. E a ideia do todo que se ramifica - esse todo, que ainda não percebo bem, encontra-se com o que o Pete descreve. Pete é um dos co-fundadores do projeto Awakened Life, que sinceramente não conhecia até poucas semanas atrás. O projeto é este, para quem estiver interessado nesta questão da evolução da consciência.
 
Voltemos ao silêncio. Silêncio, só isso. E o entendimento que nos pode trazer. Ser, apenas. E deixar ser. Três dias em que estive sozinha, e tão-tão acompanhada. Tão integrada em tudo o que me rodeava. A sentir tudo como parte de mim, e eu como parte de tudo. De todos. De sempre.
Muito tempo à volta da lareira, da comida, pelas ruas daquele povo isolado, pelos jardins, deitada num trampolim gigante a ver nuvens e ar, abandonada ao balançar que me libertava. E eu era tudo aquilo. E eu não era nada. Nada desta matéria é real. E tudo é... tudo é um. No fundo. Mas é preciso acordar. Deixar de viver escravo do ego, da mente.
 
Paradoxos em palavras, mas verdades essenciais. E as palavras, afinal, o que são? Senão um engano da mente. Uma construção. Tão limitada...
 
No domingo já era escuro quando nos voltamos a olhar e falar. Comer as delicias finais. Trocar impressões breves. Depois disso; partir, recomeçar.
 
(toca o gongo, assinala o fim)
 
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O Fogo do teu Coração deve brilhar intensamente.
Esse fogo dar-te-á toda a energia, intenção e força de caráter para suportar, perceber, e em última instância ver através da tua própria mente.
Esse fogo será a tua meditação e nesse Fogo, a tua ignorância, que são todas as tuas ideias erras, irá arder.
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sábado, 17 de novembro de 2012

Chamemos-lhe Pedro

Claro que não é o nome verdadeiro, que o sigilo profissional não permite. Mas faça-se de conta, que para o caso é o mesmo.
O Pedro vem com regularidade ao sítio onde trabalho, administro-lhe uma medicação para a doença degenerativa que lhe foi diagnosticada, que está excecionalmente bem controlada. É um homem novo, bem-disposto e educado, que detesta enfermeiras.
No primeiro dia que lá foi - há uns meses atrás - explicou-me que não era grande fã de injeções porque tinha sido casado com uma enfermeira que fazia de propósito para o aleijar quando o picava depois de discutirem.
Cada vez que lá vai conta-me uma nova história traumática em relação a enfermeiras.

Hoje:
- 'Tou cheio de sono, porque tive de me levantar cedo para vir tomar a injeção.
- E porque é que tem de se levantar cedo Pedro? Esta medicação tem hora para ser administrada?
- Não, porque você só está aqui de manhã (fez uma pausa enquanto eu preparava a seringa) Ao centro de saúde não vou mais. Nunca mais lá ponho os pés, fogo!
- Porquê Pedro? Não administram sem a guia de tratamento?
- Não, não é por isso. Mas já ma fizeram ir buscar ao carro. É um filme sempre que lá vou: "Ai não sei como se abre isto" Não sabe como se abre isto?? Enfim...
- Ó Pedro, mas olhe que esta medicação não é muito habitual, é natural que não saibam.

[Pausa para esclarecer que eu já o fiz ir buscar a guia de tratamento ao carro, e no primeiro dia que lá foi teve de me explicar como se abria a medicação].

O homem é mesmo corajoso. Colocou-se em posição e baixou ligeiramente as calças. Destapo e agulha e ele desata a desbobinar, muito rápido.
- Não gosto nada de enfermeiras. Pronto não gosto. Tenho más experiências. Não gosto mesmo nada de enfermeiras. Nada contra si, contra si não tenho nada, não leve a mal. Não se vai vingar agora na injeção pois não?
- Não Pedro, eu nunca faria isso. E deixe lá que eu também não gosto de Pedros. Não sei, tive más experiências com Pedros. Não gosto mesmo nada de Pedros. Não é nada contra si, não leve a mal. Só  não gosto de Pedros. Doeu mais que o costume?

E caimos os dois em gargalhada.

Ponto, ponto, ponto (ou a gramática da vida)

Um ponto no final da frase marca o fim.
Um ponto é o ponto final.
Vários pontos finais consecutivos, porém, convertem-se em reticências.
Talvez na vida seja assim também... ou se consegue fazer um ponto final duro, certeiro, inviolável; ou se se volta atrás umas quantas vezes, já tudo se transforma numa f(r)ase suspensa.


 

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Respira, São!

Inspirar. Encher o corpo. Levitar.
Voar. Voar.
Expirar. Quase cair. Acordar.

domingo, 11 de novembro de 2012

Estava aqui a lembrar-me

Quando a C. esteve internada, há mais de um ano atrás, a coisa complicou-se a sério. Tanto, tanto, que houve um dia que chorei de medo de não a voltar a ver bem.

A C. é daquelas pessoas que entra para ficar. Conhecemo-nos na primária, mas só lá para o sétimo ano ficamos amigas. A turma em que andavamos decidiu que eu não era "fixe" o suficiente para ter uma vida descansada e quase todos faziam um esforço verdadeiramente impressionante para me estragar o dia - todos os dias. A C. era minha amiga nessa altura. Boa parte das minhas memórias desse tempo são de nós a fazermos idiotices, a cantar as músicas dos reclames e a representar o Mike e o Melga nos intervalos. Ela foi uma das responsáveis por tornar a missão dos idiotas muito mais complicada. Provavelmente foi nessa altura que desenvolvemos um humor muito nosso, muito irónico. Se pudessem ouvir as nossas conversas, ainda hoje, provavelmente pensariam que somos umas pestes. Mas, talvez, tenha sido essa a forma que encontramos de enfrentar os problemas.

Mais tarde apaixonamo-nos. Curiosamente por irmãos. E tudo correu bem, até ao dia em que nos apaixonamos pela mesma pessoa. Eu nem bem me apaixonei para dizer a verdade, mas cometi um erro amoroso, digamos assim, e isso minou-nos. De tal forma que, passados uns tempos, por várias pequenas coisas, acabamos por cortar relações.

Mais de um ano depois, soube que lhe tinha sido diagnosticada uma doença crónica. Fui à casa dela, e quando ela abriu a porta demos um abraço até à alma, pedi-lhe desculpas e as duas assumimos que tinhamos sido umas totós, por nos chatearmos por coisas tão pequenas que nenhuma das duas se lembrava quais tinham sido.

Voltando àquela última vez, em que ela foi internada, a C. teve direito a tudo: tratamento com corticóides, tratamento com medicação experimental, catéter central, pneumonia, desorientação, convulsões, transferência para o hospital de Braga, transfusões e até aniversário num quarto de isolamento. Fui uma das priveligiadas que pode entrar no quarto no dia de anos. Tiramos umas fotos em que eu estava com a máscara de bico de pato, das quais até hoje nos rimos. Rimo-nos de quando se vestiu e tentou sair do hospital sem saber o que fazia, de quando comeu guardanapos a achar que era outra coisa qualquer. Às vezes rimo-nos, às vezes falamos a sério. Do medo que tivemos, de como ela sofreu por ser agarrada à cama e, mesmo estando já consciente, o enfermeiro continuava a falar como se ela não fosse um ser humano, como se ELE não fosse um ser humano, do que custou à mãe dela dormir aqueles meses todos no hospital a ter de a vigiar todos os segundos, não fosse a C. confundir a janela com a porta de casa.

Na verdade, com ela aprendi que nos podemos rir de virtualmente tudo. Admiro a coragem por ter a capacidade de o fazer, e acaba por ser uma forma incrível de se viverem as situações e de tirar delas algumas boas memórias, apesar de tudo.

Estava aqui a lembrar-me disto, de forma triste. E lembrei-me disto por me lembrar dela. Por pensar que, num dia como hoje, provavelmente nem ela me conseguiria fazer sorrir.